Há corações com trancas, segredos
e sistema de alarme que são como cofres de bancos. Corações sombrios e
desconfiados, com fechaduras secretas e portas falsas. Corações que parecem
simples, mas quando se entra lá dentro, espera-nos o mais perverso dos
labirintos.
E há corações que são como jardins públicos, onde pessoas de todas as
idades podem entrar e descansar. Há corações que são como casas antigas, cheios
de mistérios e fantasmas, com jardins secretos e sótãos poeirentos, carregados
de memórias e recordações e há corações simples e fáceis de conhecer,
descontraídos e leves, sempre em férias como tendas de campismo.
Há corações viajantes, temerários e corajosos, como barcos à vela que
nos parecem bonitos ao longe, mas que nos deixam sempre na boca o sabor amargo
de nunca os conseguirmos abarcar… Há corações missionários, despojados e
enormes. Há corações que são paquetes de luxo, onde o requinte é a
palavra-chave para baterem… Há corações que são como borboletas e voam de um
lado para o outro sem parar, numa pressa ansiosa de viver tudo antes que a vida
se acabe.
Há corações que são como elefantes do zoo, muito grandes, pacíficos e
passivos que aceitam viver limitados pelos outros e que até tocam o sino se os
tratarmos bem e lhes dermos mimos e corações aventureiros, sempre prontos para
partir em difíceis expedições e se ultrapassarem a si mesmos. Há corações
rebeldes e selvagens que não suportam laços nem correntes, corações que correm
tão depressa como chitas e matam como leoas, e depois há corações gnus, que
sabem que vão ser caçados mas não fogem ao seu destino…
Há corações que são como rosas, caprichosas e cheios de espinhos e
outros que são campainhas, simplórios e carentes sempre a chamar por afeto. Há
corações que são como girassóis, rodando as suas paixões ao sabor do brilho e
da glória e corações como batata-doce, que só crescem e se alimentam se
estiverem bem guardados e escondidos debaixo da terra.
Há corações que são como pianos, altivos e majestosos onde só tocam os
que possuem a arte de bem seduzir. E corações como harpas, onde uma simples
festa provoca uma sinfonia.
Há corações incondicionais que vivem tão maravilhados em descobrir a
grandeza de outros corações que às vezes se esquecem de si próprios… Há corações
estrategos, que batem ao ritmo de esquemas e planos, corações transgressores
que vivem para amar clandestinamente e só sabem desejar o proibido e corações
conservadores, que só se entregam quando tudo é de acordo com os seus padrões e
valores.
Há corações a motor, que vivem só para o trabalho e corações poetas só
se alimentam de sonhos e ilusões. Há corações teatrais, para quem a vida é uma
comédia ou uma tragédia e corações cinéfilos que registam a beleza de cada
momento em frames de paixão.
Há corações duros como aço, sem arritmias, onde nada risca e faz mossa e
corações de plasticina que se moldam às formas dos corações que amam. Há
corações de papel, bonitos e frágeis que se amachucam facilmente e desbotam à
primeira lágrima, há corações de vidro que quando se estilhaçam nunca mais se
recompõem e corações de porcelana que depois de se partirem ainda sabem colar
os destroços e começar de novo.
Há corações orientais, espiritualizados e serenos e corações ocidentais
hedonistas e ambiciosos, corações britânicos onde tudo é meticulosamente
arrumado segundo costumes e convenções, latinos que batem ao som da paixão e da
loucura.
Há corações de uma só porta que são como grandes casas de família e
outros de duas portas, uma para a sociedade e outra para a intimidade. Há
corações que são como conventos, silenciosos e enclausurados e outros que são como
hotéis, onde se paga o amor sem amor, escandalosos e promíscuos. Há corações
parasitas, que vivem do afeto dos outros sem nada dar e corações dadores que só
são felizes na entrega.
Mas há ainda uma ou outra espécie de corações, os corações hospedeiros
que sabem receber e fazem sentir os outros corações como se estivessem em casa,
que dão e aceitam amor sem se fixarem, que tratam cada passageiro como se fosse
o último, enquanto procuram o coração gémeo, sempre na esperança, secreta e
nunca perdida de um dia deixarem de viajar e sossegarem para a vida."
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